A discussão sobre o metaverso pode até estar ganhando mais força agora, mas, já há algum tempo, a realidade virtual (VR) tem sido usada em benefício da sociedade. A história de Vinícius Gusmão e Sandro Nhaia é um bom exemplo: ambos criaram a edtech MedRoom, que oferece a VR como ferramenta de aprendizado na área de medicina.
Vinicius Gusmão, CEO e cofundador da MedRoom, fala sobre como a tecnologia é capaz de fazer a diferença no ensino da medicina.
Parceira de grandes faculdades e hospitais, a MedRoom vem expandindo fronteiras, e hoje está presente no Brasil, México, Peru e Paraguai. Também aumenta seu portfólio para atender a crescente demanda por ferramentas de educação à distância (EAD) na área médica. Vinícius Gusmão nos contou sua trajetória empreendedora e também falou sobre a pandemia, que foi, ao mesmo tempo, um balde de água fria e um amplificador dos negócios.
Muitos passos à frente
“Sou biólogo de formação, mas levei 9 anos para terminar o curso na USP porque, neste meio tempo, eu e meu sócio, Sandro, criamos a MedRoom. Entrei na faculdade querendo construir coisas. Passei por alguns cursos antes da biologia, tipo construção civil, análise de sistemas. Mas faltava para mim, nesta ideia de construção, a parte científica. Sempre quis saber o porquê de tudo. Durante a faculdade, passei a me aproximar de outros tipos de iniciativas além do currículo que me era proposto. Fiz parte de uma empresa júnior, sou aluno do Ciência Sem Fronteiras, fui para os EUA e fiquei um ano lá fazendo disciplinas voltadas ao empreendedorismo.
Quando retornei ao Brasil, voltei os olhos à iniciativa privada, queria construir e executar com as próprias mãos. Foi nesta época quando conheci Sandro, que já tinha a ideia de criar um simulador para treinamento de cirurgia para alunos de medicina. Achei a ideia muito doida e quis fazer parte disso.
De quando decidimos empreender esta ideia até hoje, houve muitas mudanças no projeto. O próprio simulador cirúrgico nem faz parte do nosso portfólio. A gente entendeu o momento do mercado, da tecnologia para a cultura dos usuários e a coisa foi mudando de rumo. Em 2015, fizemos prototipação, mostramos para as pessoas, conversamos com hospitais, médicos, professores e alunos. Em 2017, apresentamos para investidores e, no final desse mesmo ano, fizemos o primeiro aporte e começamos a construir a linha de produtos do portfólio que temos hoje.”
Vamos por partes
“O nosso produto é um laboratório de anatomia em realidade virtual e a gente sempre busca o máximo realismo. Eu quero que se olhe para o paciente, no nosso laboratório, e que seja possível acreditar que é de verdade. Mas não posso ter um corpo realista com um sistema linfático verde, ou nervos amarelos, ou veias azuis. Não tem isso dentro do corpo.
Na primeira versão lançada, identificamos uma anatomia do corpo que precisava ser construída primordialmente. Não fizemos o paciente inteiro no início, começamos pelo tórax de uma paciente mulher. Lançamos isso no mercado porque já tínhamos uma prova de valor, tínhamos de validar as interações, a modelagem em si. Precisávamos validar se isso tinha sentido. Só com o tórax a gente já conseguiu fazer boa parte dessas validações. Depois, fizemos abdômen, cabeça e pescoço e, por último, os membros. Foi uma construção faseada. Mais tarde, vieram outras funções, com o paciente masculino.
No início, não tínhamos uma força de médicos anatomistas trabalhando dentro da MedRoom. Fizemos parceria com quem tem o conhecimento e eles nos alimentavam com as informações. Hoje, temos um time de anatomistas trabalhando nas novas versões do que estamos desenvolvendo. Tudo é revisado por eles. Existe um esforço acadêmico para transformar isso numa referência de fato. A nossa proposta nunca foi substituir cadáver, livro, nem outras estratégias, mas, por meio da VR, consolidar tudo o que foi visto em outros lugares, como no 2D, no cadáver, no exame de imagem...”.
E veio a pandemia...
“O nosso produto é virtual, mas seu uso é presencial e, na área da saúde, era impossível falar em ensino a distância até a Covid. Tivemos dois grandes momentos na pandemia, que aconteceram, literalmente, em 24 horas. Tudo o que estávamos negociando foi congelado. Mas sempre fui muito pragmático: não adiantava ficar chorando. Começamos a identificar a situação, pensar em quem tinha respostas. Usamos tudo o que tínhamos no arcabouço para tentar redescobrir o papel da MedRoom. Não só isso: pensamos no que construiríamos na pandemia que ainda teria valor depois.
Daí veio a proposta de trabalhar em uma plataforma híbrida. Começamos a trabalhar na ideia de um aplicativo. Ele é a versão de bolso do nosso produto. Mas no app a gente não vai fazer realidade virtual. O objetivo é que você consiga acessar as coisas de forma rápida e fácil. Os dois têm o mesmo conteúdo, mas no VR eu tenho a imersão, no app, o estudo. A nossa proposta é criar uma plataforma de ensino para educação em saúde e o mercado gosta da ideia. Tanto que a MedRoom foi adquirida em 2020 pelo grupo Ânima.”
Encarando o conservadorismo
“Já recebemos muitas críticas desde o começo do trabalho. Em uma das primeiras visitas a um grande hospital no Brasil, ouvimos o seguinte de um médico: ‘Meu filho joga Need For Speed em casa e nem por isso ele aprendeu a dirigir. Por que a gente vai aprender com a realidade virtual?’. Aquilo não era uma crítica só à realidade virtual, mas à gamificação. Naquela época, gamificação já era um conceito muito mais estabelecido que a realidade virtual, mas era uma coisa com a qual este profissional ainda não estava confortável.
A nossa missão é diminuir o máximo possível a curva de aprendizado da ferramenta para o profissional conseguir usá-la da forma mais rápida e simples possível. A ideia é que o usuário aprenda anatomia e não VR. O nosso treinamento, então, vai do ferramental para o conteúdo. Ele desmistifica a parte tecnológica, porque os óculos e os controles assustam e o professor acha que precisa ter destreza manual para fazer tudo aquilo e não é verdade. É tão simples quanto usar um mouse.”
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